Festival Materiais Diversos 2023

O trabalho da Materiais Diversos inscreve-se no Parque Natural das Serras de Aire e Candeeiros, maciço calcário formado na Era Mesozoica, ou seja, com mais de 200 milhões de anos. Esta escala temporal é tão difícil de compreender quanto é difícil percecionar o lentíssimo movimento das rochas. E, no entanto, elas movem-se.
 
Sob estas rochas calcárias, existe um dos maiores reservatórios de água doce subterrânea em Portugal. No Polje de Mira-Minde, a água ressurge nos invernos chuvosos, formando um “mar”. E, no entanto, ela escasseia.
 
A Materiais Diversos tem investido em processos de desaceleração que nos permitam compreender o tempo longo das pedras e acompanhar o movimento das águas, na expectativa de trazer à superfície uma comunidade de afetos que se forma lentamente e sustenta em práticas de companheirismo e colaboração. O Festival Materiais Diversos é a alegria que transborda dessa prática continuada.
 
Nesta edição, tornamos visível muito do que fazemos regularmente. Apresentamos coproduções como KdeiraZ, de Natália Mendonça, espetáculo que reflete um investimento na aproximação de jovens públicos à dança, Decadência e Mil e Uma Noites, de Cátia Terrinca/UMCOLETIVO, que trazem à luz a escrita de autoras portuguesas do século XX tão relevantes como Judith Teixeira e também a de muitas mulheres do concelho de Alcanena.
 
Apresentamos projetos que acompanhámos, como Didascálias, de Giovanna Monteiro e Leonor Mendes, e La Burla, de Bibi Dória e Bruno Brandolino, apoiados no âmbito das bolsas Fios do Meio e Novos Materiais, respetivamente, e ainda Coreografia em sala de aula, de João dos Santos Martins. E revelamos, numa exposição, as Oficinas Corpo Comum, orientadas por Marta Tomé e Raquel Senhorinho, com as turmas de 5.º e de 7.º ano do Agrupamento de Escolas de Alcanena.
 
Conversas longas trazem ao programa Las Lámparas, de Leticia Scrycky, All in the air is bird, de María Jerez e Élan d’Orphium, e O Banquete das Saudades, de Anne Lise Le Gac, projetos que desafiam a perceção e a memória e incitam a novas colaborações, assim como conversas recentes antecipam o primeiro álbum de Bernardo Branco. E conversas urgentes reúnem Gio Lourenço, com Boca Fala Tropa, Elizabete Francisca, com a besta, as luas, e chica, voz ativista na música.
 
O seminário Companheirismo e colaboração — práticas artísticas para a sustentabilidade aprofunda um espaço imersivo e reflexivo para profissionais. E as “mesas longas”, organizadas estreitamente com atores e parceiros locais, convidam a refletir sobre jovens e futuros, águas, rios e comunidades de aprendizagem.
 
Tudo isto ressoa e ressurge no programa desta edição do festival e é um incentivo à permanência e à possibilidade de nos continuarmos a encontrar.
 
Elisabete Paiva e a equipa Materiais Diversos